Quando eu era pequena não havia “Colchões Confort – Outro sono, outro conforto” (Anúncio da TSF). Havia colchões de lã ou colchões de palha, que às vezes faziam doer as costas.
Não havia sacos de plástico. Havia sacos de papel pardo, embrulhos de papel e muitas, muitas guitas e cordéis.
O papel higiénico era um luxo. Aproveitavam-se os papeis de embrulho e os jornais que se cortavam em quadrados e se espetavam num gancho, dava mais trabalho, era menos higiénico, mas evitavam-se os desperdícios.
As crianças não tinham consolas, nem brinquedos sofisticados, mas havia as cinco pedrinhas, os pregos na praia, o jogo da bilharda, o jogo da pica, os arcos, as bolas de trapo, quando não havia dinheiro para as outras. Também não havia “Barbies” mas havia outras bonecas, umas caras outras baratas e até algumas feitas de trapos.
Não havia fogões eléctricos, eram de lenha, nem máquinas de lavar, nem micro-ondas, nem varinhas mágicas, era o “passe-vite”. Frigoríficos já havia, mas só nas casas mais ricas.
Não havia televisão, só telefonia que às vezes se percebia mal por causa dos ruídos e as crianças pensavam que o homem que lia as notícias estava dentro do aparelho e até a Lélé e o Zequinha dos “Diálogos Humorísticos”, embora ele, o Vasco Santana, fosse muito gordo. Também havia o Capitão Marques Pereira que dava aulas de ginástica que nós seguíamos religiosamente com acompanhamento de música e as cadeiras da sala como suporte.
Já havia telefones, mas eram poucos, o nosso era o 9 de Nelas e era difícil fazer as ligações, só através da menina que estava na central.
Telemóveis, computadores, Magalhães nas escolas, iPods, Bluetooth, GPS … nem pensar.
Nas escolas tínhamos sacas de serapilheira com um boneco estampado, onde transportávamos os livros, lousas de ardósia e cadernos de uma ou duas linhas e quadriculados, o livro de leitura com histórias lindas e poemas, o caderno de problemas e, na quarta classe, os livros de História, de Geografia e de Ciências. Para escrever usávamos lápis de lousa, lápis de carvão e canetas de aparo com o respectivo tinteiro. Esferográficas e canetas de feltro ainda não existiam.
Nunca ouvimos falar em dinossauros, nem em naves espaciais nem em extra-terrestres, mas sabíamos todos os rios e serras de Portugal e a tabuada na ponta da língua.
Quando eu era pequena faltavam muitas coisas que hoje há.
Mas as portas das casas estavam sempre abertas e havia sempre gente em casa. Nas casas ricas havia empregadas e nas pobres vizinhas. E, é claro, a Mãe estava sempre presente. Os avós também estavam lá em casa, tal como os bebés e as crianças pequenas. Não havia lares de terceira idade nem creches para os bebés.
Os Pais passavam muito tempo fora de casa porque iam trabalhar mas voltavam sempre para as refeições e para dormir.
As Mães só saíam para ir às compras ou para falar com as amigas. O trabalho delas era em casa.
As crianças não tinham medo que os Pais se separassem.
As crianças no meu tempo morriam mais embora parecessem mais resistentes. Havia poucos hospitais e poucos médicos mas os que havia eram muito dedicados e até iam a casa ver os meninos doentes. Meninos com olhos tortos e surdos havia bastantes porque só havia médicos especialistas nas grandes cidades. Também havia alguns meninos que nasciam deficientes.
Mas crianças com depressões ou hiperactivas ou com distúrbios de comportamento quase não se encontravam. Também não havia bullying nas escolas embora houvesse umas boas sopapadas e guerras de pedras, bolas de neve ou jactos de água. Quando muito, de vez em quando, havia uma cabeça partida.
Porque é que será tão difícil conjugar os bons hábitos de antigamente com as aquisições da modernidade de hoje?
A culpa deve ser nossa, dos antigos, que desprezámos as nossas experiências, que nos cegámos com as facilidades e nos inebriámos com a corrida do tempo.
“Os colchões Confort - Outro sono, outro conforto” fizeram-me pensar em tudo isto.
Será que algum dia viremos a ter outro sono, outro conforto, diferente do sono de hoje e com o conforto da modernidade e da sabedoria e experiência dos nossos Pais?
Como a mãe aprendeu a relatar por escrito quando era pequenina (já que não havia telemóveis para mandar SMSs), e aliou essa sabedoria ao uso da internet e dos blogs (ninguém acredita quando eu digo que vou espreitar os blogs da minha mãe), temos aqui o fruto real da conjugação dos "bons hábitos de antigamente com as aquisições da modernidade de hoje". Obrigada mãe, com o seu blog tem-me dado "outro sono, outro conforto"!
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