Pobre “Capilé”
A “Capilé” era uma boneca muito muito linda, De
certo a mais linda para a sua Mãe Isabel,
que lhe dedicava muito carinho e todos os seus amores. Mais linda do que
todas as bonecas do mundo, mesmo daquelas compradas em Nova Iorque, no armazém
“Macys”, naquela secção dos brinquedos que faziam arregalar os olhos de toda a
criançada, especialmente na época de Natal.
A “Capilé” não tinha
sido comprada lá, nem era uma boneca muito especial. Era muito simples com cabelos
ruivos, cara tristinha e uma carteira a tiracolo. Não era a eleita da Isabel. Aquela
que lhe fazia sentir muito arreigados os seus instintos de Mãe, essa, era a
Berlicó: vestia-a, despia-a, dava-lhe beijinhos, andava com ela por todo o
lado. A “Capilé” era uma boneca diferente, ela achava que tinha de a
defender, e não lhe negava carinhos e cuidados.
De vez em quando
resolvia dar uma lição às minhas Filhas: fazê-las pensar nos outros, nos que
não tinham nada; privarem-se do que tinham para que as outras crianças também
pudessem ter as alegrias que elas experimentavam. Uma vez sugeri-lhes, sem as
obrigar, que dessem qualquer coisa de que gostassem a meninos pequenos que
teriam pena de não as ter, e sabe Deus, nem os carinhos duma mãe que se devotasse
a eles. As minhas Filhas compreendiam e com sacrifício lá faziam o que eu lhes
sugeria e perguntavam a medo – “ e se
elas nos estragam as coisas?”
“São delas, as meninas deixam de ser donas.
Com certeza, que elas, como as meninas fazem, cuidam das bonecas com o melhor
dos cuidados”, dizia eu procurando descansá-las.
Lá foram todas dando as
suas bonecas. Quando chegou a vez da Leonor, esteve quase a ir uma boneca de
que ela gostava muito, mas resolvemos dar uma outra que era igualmente bonita e
que não tinha tanto significado. A boneca preferida, pretinha e muito
engraçada, continuou a ser acarinhada e teve muitos eventos: batismos,
casamentos, operações e até muitos enterros. E agora, depois de ter sido
acarinhada pelas filhas da Leonor, lá está dentro dum baú, velhita mas sempre jovem,
á espera doutros netos que talvez olhem para ela…
Por
último chegou a vez da Isabel, muito pressionada, porque não tivemos mais notícias
da boneca da Leonor, resolveu dar a duas miúdas que viviam em frente de nós, a “Capilé”, de que tanto gostava. Eu convencia,
ela iria fazer feliz as duas pequenas, que a tratariam como uma filha.
Passaram-se 15
dias, a Capilé jazia na valeta em frente da nossa casa, sem um olho, sem roupa
e com as pernas todas desengonçadas. E foi a Isabel quem a encontrou. Chorou,
chorou muito sentidamente e eu arrependi-me com ela.
Nunca mais me lembrei da "Capilé" até que um dia ouvi a Isabel
dizer aos filhos a propósito duma camisola que eles perderam ou estragaram, não
sei bem,
-“não deem nada que isso é para estragar”… Fez-me recordar a
“Capilé” e pensar de mim para comigo:
Que mal eu andei ao proporcionar às
minhas filhas esta “caridadezinha”.
Não é dando “peixes aos que não sabem pescar”, que eles os apreciam, pois não fizeram
esforço para os alcançar.
Também não é
esta a atitude que devemos ter com as crianças:
“Sejam boazinhas e com algum
sacrifício terão o reino dos céus”.
Com o seu sonho
destruído, de ânimo leve, pensarão muitas vezes. … “
e porquê?”
“E eu? A Mãe... que ensinei?...”
Lembrei-me da parábola do fariseu: Eu era o doutor da Igreja, que pensava
neste contexto: Tenho tanto, até sou orgulhosamente rica… Tenho de ensinar as
minhas Filhas, a darem aos outros porque ficarão mais ricas…, ou porque
alcançarão mais depressa o reino de Deus.
No furacão do tempo não tive tempo para pensar, mas agora eu digo aos meus netos:
É preciso não darem com o espírito de que
sou maior, sou o melhor de todos. Dêm com o espírito do fariseu, aquele que deu
uma lição ao doutor da Igreja, empenhem-se, deem tudo, não só a boneca melhor
ou pior, brinquem com os outros meninos que também gostam de brincar e até podem ter ideias mais engraçadas do
que as nossas, façam um elo de fraternidade com todas as crianças e assim temos
no mundo mais Amor e mais Paz.